«Muitas raras vezes vi um jogador de futebol fazer um percurso tão extraordinário quanto Bruno Alves. Quando, há uns anos, o então inofensivo Benfica quebrou um jejum de largos anos e ganhou no Dragão por 2-0, Bruno Alves estava praticamente a ensaiar os primeiros passos no FC Porto e a sua prestação foi má demais: teve culpa num golo, ofereceu outro e acabou expluso depois de agredir Nuno Gomes, num acesso de descontrolo. Achei então que não havia futuro para ele no FC Porto. Mas - e com Jesualdo Ferreira - ele soube contrariar um destino que parecia traçado: em dois ou três anos, tranformou-se num dos melhores defesas centrais do mundo. É inigualável em poder de impulsão e jogo aéreo, inultrapassável em entrega ao jogo e atitude competitiva, e brilhante na ocupação de espaço que defende e na leitura de construção do jogo de trás para a frente. É verdade que muitas vezes se excede na maneira como entra às jogadas e aos adversários, mas só quem nunca jogou futebol e nada entende do jogo pode confundir isso com anti-jogo. Muitos outros que aí estão, bem menos exuberantes e generosos na entrega ao jogo, procuram, não a bola, mas as canelas dos adversários, à socapa, disfarçadamente, cobardamente - mas magoando e deixando mossas.
Ele, não: nunca partiu a perna a um adversário (o Mossoró ou o Anderson que o digam...), nunca remeteu alguém para o estaleiro e passa jogos inteiros (que ninguém repara) sem cometer uma única falta. Sim, tem mau feitio a jogar - mas nisto, e como em tudo o resto, prefiro mil vezes as pessoas com mau feitio e bom carácter do que o oposto. (...) /
As virgens púdicas que por aí proliferam quiseram, uma vez mais, crucificar Bruno Alves pela sua actuação no Algarve. (...) em nenhum deles (dos quatro lances polémicos) vi jogo subterrâneo e sujo, vontade deliberada de aleijar o adverdsário. Vi, sim, excesso de atitude e de entrega, raiva pelo decurso do jogo. (...) Não mais do que o desespero de um vencedor, perante a derrota, como quando apontou para o emblema do clube e mostrou os quatro dedos, um por cada campeonato que ele e os companheiros conquistaram - e que deveriam merecer mais respeito das indignadas virgens. Primeiro, diziam que ele já não se entregava à defesa da camisola que veste porque o clube não o deixou sair; mas depois, afinal, é de excesso de entrega que é acusado. Mas, em Junho próximo, quando ele estiver vestido com as cores da Selecção, o país vai torcer para que Bruno Alves seja igual a si próprio e para que todos os outros se entreguem ao jogo como ele. E se, depois do mundial e como todos desejam, ele sair mesmo para o estrangeiro, aí vira herói nacional e a mesma imprensa que agora o massacra vai passar a idolatrá-lo.
Tão certo como eu me chamar Miguel.
Força, Bruno, não se preocupe:
Miguel Sousa Tavares - Jornal "O Jogo"
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